quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

VOCAÇÃO

Eu andava pelos 30 anos e estava, por assim dizer, instalado na vida. E, no entanto, parecia que me faltava alguma coisa. Ou um Alguém. Assim mesmo, com maiúscula. O Absoluto que na minha inquietação procurava não O tinha encontrado na profissão, nem nas relações mais próximas que ia cultivando. Nesse instante de lucidez, senti que uma Voz me falava pessoalmente, no íntimo do coração, chamando-me pelo nome, convidando-me a preparar o meu terreno para a sementeira. Eu que, como jornalista, tinha o hábito de perseguir as respostas, comecei a andar atrás das perguntas. É urgente descobri-las, saber pô-las. Comecei a alimentar-me com sofreguidão da Eucaristia, mas o estar "do lado de lá" já me sabia a pouco. Cristo, o Cristo do sorriso, o Ressuscitado, queria mais de mim.


Fiz o meu caminho, reforçando os laços com a Igreja. Cheguei a pensar que aquilo não me estava a acontecer e a pedir a Deus para me tirar daquele filme. Que era já tarde na minha vida, que não ia a tempo, que se tivesse acontecido antes... Nada a fazer: o "bichinho" continuava a martelar, a propor-me sair de mim próprio, esvaziar-me para me voltar a encher, desta vez do que é essencial. Na oração, descobri-me apaixonado por Cristo. Seria cansativo enumerar agora as pessoas e acontecimentos de que Ele Se serviu para me encaminhar para o Seminário. Digo apenas que, após o click inicial, veio a prova da fidelidade, por vezes dura, balbuciante.

A entrada não foi fácil. Dar contas dos meus actos, cumprir horários, viver e conviver com rapazes mais novos afigurava-se-me um pesadelo. Era, salvo seja, como se tivesse casado com 40 pessoas! Não tinha compreendido ainda que a beleza deste mistério reside no facto de nunca ter pedido para viver com eles nem eles comigo. Temia vir a ser como peixe fora de água. Receava poder vir a perturbar a casa, como aquelas pessoas que chegam atrasadas à sessão de cinema e têm que pedir licença até chegarem ao lugar que lhes foi destinado.

Mas aos poucos fui descobrindo que o Seminário é, além de um dom, uma tarefa que a cada dia que passa se constrói em comunidade. Uma família. A vida oculta de Nazaré. Não somente um lugar mas uma experiência de encontro com o Cristo que chamou os discípulos para estarem com Ele, primeiro, e só depois para os enviar a pregar - por isso prefiro dizer que estou "em seminário", mais do que "no seminário". Que esta experiência não pode ser concebida tanto do ponto de vista das coisas de que abdicamos, de que nos privamos, como na perspectiva de uma vida nova, diferente, que Ele nos oferece para que a comuniquemos. Estou com Ele. E sabeis que mais? Acabei por concluir que, afinal, a semente nunca tinha deixado de estar lá! Hoje, aos que ainda olham para mim intrigados e pronunciam a expressão "vocação tardia", costumo responder, por brincadeira, "pois, já passava da meia-noite quando o Senhor bateu à porta...". Nunca é tarde, tal como nunca é cedo!

Senhor, dou-Te graças pelas maravilhas que realizaste na minha vida e peço-Te que me dês força para ver o filme até ao fim. Podes contar comigo para ligar os máximos, porque não é o que não se semeou que mais tarde se vai colher. Sei que não conquistei nada nem vou conquistar, porque a cada passo és Tu que me conquistas. Desperta no coração das famílias cristãs a vontade de corresponderem à radicalidade do Teu amor gerando novos filhos para Igreja – lembrados de que um filho não é uma coisa que se possui (tantas vezes para que seja o que não fomos) e que por isso nunca se perde -, propondo-lhes que acolham o realismo do impossível, o dom de aprender a ser futuro em embrião aqui e agora, que Te sigam mais de perto, que descubram a beleza da vocação na beleza do Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas.

Miguel Miranda
Fonte: Net

Nenhum comentário:

Postar um comentário