quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

PRESTE ATENÇÃO

COITADO DELE, SEMPRE ERRADO.

Quando o padre fala dez minutos a mais, engoliu agulha de vitrola.
Quando fala com voz forte, está gritando demais.
Quando possui um carro, é mundano.
Quando visita os paroquianos, é fofoqueiro.
Quando não os visita, é anti-social.
Quando pede donativos para construir algo, é dinheirista.
Quando não pede nada não se interessa pelos problemas do povo.
Quando é pontual nas cerimônias, é escravo do relógio.
Quando atrasa um pouco, está sacrificando a comunidade.
Quando quer reformar a igreja, é esbanjador, poderia aplilcar noutra coisa.
Quando é jovem, não tem experiência.
Quando é velho, está na hora de se aposentar.
Quando se traja bem, é grã-fino e quer se aparecer.
Quando é simples no trajar, não sabe respeitar sua dignidade.
Se é bonito, que pena.
Se é feio, coitado, só podia ser padre.
Quando passa pela rua e esquece de cumprimentar, ficou orgulhoso.
Quando conversa e saúda a todos, é um bobo alegre.
Quando dialoga com moças, é namorador.
Quando não conversa, é complexado.
Quando morre ou vai embora, dificilmente aparece alguém para o substituir.
Porque, na verdade ele é:
Mil anos de certeza para um povo
Com 20 séculos de esperança.
Ele é sagrado, num mundo desacralizado.
Ele é o levita... ele é o pai de um povo...
Ele é semente, é mensagem, é Igreja.
Ele é os lábios e as mãos da Igreja, ensaiando uma benção para o amanhã.
Assim deve ser visto o sacerdote:
homem grande de espírito nobre,
homem que luta com Deus.
Um servidor humilde para os tímidos e fracos,
que não se rebaixa perante os poderosos,
mas se curva diante dos pobres.
Dotado de sabedoria e amor à causa do Pai.
Inimigo da preguiça, sempre fiel a Deus,
Enfim, um ser humano muito especial.

domingo, 23 de janeiro de 2011

ORAÇÃO DO SACERDOTE NUMA TARDE DE DOMINGO

Esta tarde, Senhor, estou sozinho.
Na Igreja, pouco a pouco, os ruídos calaram-se.
Foi-se embora toda a gente,
E eu voltei para casa,
Passo a passo,
Sozinho.
Cruzei-me com gente que voltava de um passeio,
Passei pelo cinema: vomitava uma pequena multidão,
Vagueei ao longo de esplanadas de cafés onde, cansados,
Os domingueiros tudo faziam para esticar um pouco mais a
Alegria de viver um Domingo de festa.
Esbarrei nos miúdos que jogavam à bola na rua.
Os garotos, Senhor!
Os filhos dos outros, que não serão nunca os meus.
E aqui estou, Senhor,
Sozinho!
No silêncio que me dói
Na solidão que me oprime.

Tenho 33 anos, Senhor,
Um corpo feito como os outros corpos,
Braços moços para o trabalho,
Um coração reservado para o amor,
Mas tudo isto Te dei.
É verdade que de tudo precisavas,
Tudo Te dei, Senhor, mas é duro Senhor.
É duro dar o próprio corpo: ele queria dar-se a outro.
É duro amar toda a gente e não possuir ninguém.
É duro apertar a mão sem poder retê-la.
É duro fazer que brote uma afeição, mas para a dar a Ti.
É duro nada ser para mim mesmo, a fim de ser tudo para eles.
É duro ser como os outros, entre os outros e ser um outro!
É duro dar sem cessar, sem procurar receber.
É duro alguém ir ao encontro dos outros, sem que jamais
alguém venha ao meu encontro.
É duro sofrer os pecados dos outros, sem poder recusar
acolhê-los e carregá-los.

É duro receber os segredos, sem poder compartilhá-los.
É duro arrastar os outros sem cessar e nunca poder, um
instante sequer, deixar-me arrastar pelos outros.
É duro sustentar os fracos sem poder apoiar-me sobre um forte.
É duro estar sozinho.
Sozinho diante de todos,
Sozinho diante do mundo,
Sozinho diante do sofrimento, do pecado, da morte.


Não estás sozinho, meu Filho,
Estou contigo,
Eu sou teu,
Eu precisava, na verdade,
de uma humanidade a mais para continuar a minha
Encarnação e a minha Redenção.
Desde toda a eternidade, Eu te escolhi.
Eu preciso de ti:
Preciso das tuas mãos para continuara abençoar,
Preciso dos teus lábios para continuar a falar,
Preciso do teu corpo para continuar a sofrer,
Preciso do teu coração para continuar a amar,
Preciso de ti para continuar a salvar.
Fica comigo, meu Filho.
Senhor, eis-me aqui:
Eis o meu corpo,
Eis o meu coração,
Eis a minha alma.
Fazei-me bastante grande para atingir o mundo,
Bastante forte para carregar com ele,
Bastante puro para o abraçar, sem querer guardá-lo.

Fazei que eu seja um ponto de encontro, sim, mas ponto de passagem.
Caminho que não pende para si próprio,
porque nele não há nada de humano a encontrar, nada que não conduza a Ti.

Esta tarde, Senhor, enquanto tudo em volta está em silêncio,
dentro do meu coração sinto morder duramente a solidão.
Enquanto o meu coração uiva longamente a fome de prazer,
enquanto os homens me devoram a alma
e eu me sinto impotente para a saciar,
Enquanto sobre os meus ombros pesa o Mundo inteiro,
com todo o seu peso de miséria e pecado,
eu repito o meu Sim.
Não às gargalhadas, mas lentamente, lucidamente,
humildemente.
Sozinho, Senhor, sob o Teu olhar,
Na paz da tarde...

(in Poemas para rezar, de Michel Quoist)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

VOCAÇÃO

Eu andava pelos 30 anos e estava, por assim dizer, instalado na vida. E, no entanto, parecia que me faltava alguma coisa. Ou um Alguém. Assim mesmo, com maiúscula. O Absoluto que na minha inquietação procurava não O tinha encontrado na profissão, nem nas relações mais próximas que ia cultivando. Nesse instante de lucidez, senti que uma Voz me falava pessoalmente, no íntimo do coração, chamando-me pelo nome, convidando-me a preparar o meu terreno para a sementeira. Eu que, como jornalista, tinha o hábito de perseguir as respostas, comecei a andar atrás das perguntas. É urgente descobri-las, saber pô-las. Comecei a alimentar-me com sofreguidão da Eucaristia, mas o estar "do lado de lá" já me sabia a pouco. Cristo, o Cristo do sorriso, o Ressuscitado, queria mais de mim.


Fiz o meu caminho, reforçando os laços com a Igreja. Cheguei a pensar que aquilo não me estava a acontecer e a pedir a Deus para me tirar daquele filme. Que era já tarde na minha vida, que não ia a tempo, que se tivesse acontecido antes... Nada a fazer: o "bichinho" continuava a martelar, a propor-me sair de mim próprio, esvaziar-me para me voltar a encher, desta vez do que é essencial. Na oração, descobri-me apaixonado por Cristo. Seria cansativo enumerar agora as pessoas e acontecimentos de que Ele Se serviu para me encaminhar para o Seminário. Digo apenas que, após o click inicial, veio a prova da fidelidade, por vezes dura, balbuciante.

A entrada não foi fácil. Dar contas dos meus actos, cumprir horários, viver e conviver com rapazes mais novos afigurava-se-me um pesadelo. Era, salvo seja, como se tivesse casado com 40 pessoas! Não tinha compreendido ainda que a beleza deste mistério reside no facto de nunca ter pedido para viver com eles nem eles comigo. Temia vir a ser como peixe fora de água. Receava poder vir a perturbar a casa, como aquelas pessoas que chegam atrasadas à sessão de cinema e têm que pedir licença até chegarem ao lugar que lhes foi destinado.

Mas aos poucos fui descobrindo que o Seminário é, além de um dom, uma tarefa que a cada dia que passa se constrói em comunidade. Uma família. A vida oculta de Nazaré. Não somente um lugar mas uma experiência de encontro com o Cristo que chamou os discípulos para estarem com Ele, primeiro, e só depois para os enviar a pregar - por isso prefiro dizer que estou "em seminário", mais do que "no seminário". Que esta experiência não pode ser concebida tanto do ponto de vista das coisas de que abdicamos, de que nos privamos, como na perspectiva de uma vida nova, diferente, que Ele nos oferece para que a comuniquemos. Estou com Ele. E sabeis que mais? Acabei por concluir que, afinal, a semente nunca tinha deixado de estar lá! Hoje, aos que ainda olham para mim intrigados e pronunciam a expressão "vocação tardia", costumo responder, por brincadeira, "pois, já passava da meia-noite quando o Senhor bateu à porta...". Nunca é tarde, tal como nunca é cedo!

Senhor, dou-Te graças pelas maravilhas que realizaste na minha vida e peço-Te que me dês força para ver o filme até ao fim. Podes contar comigo para ligar os máximos, porque não é o que não se semeou que mais tarde se vai colher. Sei que não conquistei nada nem vou conquistar, porque a cada passo és Tu que me conquistas. Desperta no coração das famílias cristãs a vontade de corresponderem à radicalidade do Teu amor gerando novos filhos para Igreja – lembrados de que um filho não é uma coisa que se possui (tantas vezes para que seja o que não fomos) e que por isso nunca se perde -, propondo-lhes que acolham o realismo do impossível, o dom de aprender a ser futuro em embrião aqui e agora, que Te sigam mais de perto, que descubram a beleza da vocação na beleza do Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas.

Miguel Miranda
Fonte: Net